Lei do Ruído
Introdução
Contrariamente ao que é frequentemente referido, a Lei do Ruído, o Decreto – Lei 9/2007, não é o principal garante do direito das pessoas ao sono e à tranquilidade, r elativamente ao ruído. De facto, em primeiro lugar, este direito é salvaguardado pela Constituição da República Portuguesa, nomeadamente pelo, designado juridicamente, “Direito de Personalidade”.
Este direito constitucional é mais importante e, portanto, sobrepõe-se ao estipulado na Lei do Ruído, o Decreto – Lei 9/2007, no que se refere. nomeadamente ao Critério de incomodidade.
A seguir pode ver um video com o resumo deste artigo.
Se pretende ver uma apresentação resumida sobre este tema clique aqui.
Situação atual da aplicação da Lei do Ruído
Desde há alguns anos, que os agentes económicos têm de cumprir diversos requisitos relativamente ao ruído. Com a publicação do Regulamento Geral do Ruído pelo Decreto-Lei 9/2007, entrou-se na fase em que nos encontramos. Estes requisitos, são muito objetivos, e as pessoas os gestores das infraestruturas de atividades económicas, são facilmente levados a pensar que, cumpridas as prescrições legais explicitamente relativas à Lei do Ruído, o tema fica encerrado.
Todavia os Tribunais trataram de chamar a atenção que de facto isto não corresponde à realidade por estar consagrado na Constituição da República Portuguesa que o indivíduo tem direito ao Conforto e à Saúde, designado juridicamente por “Direito de Personalidade”.
Este facto levanta novos desafios, devido a se entrar no campo da avaliação subjetiva que cada um faz dos estímulos que o meio que o rodeia lhe envia. Todos sabemos que cada um é mais ou menos sensível e que todos os dias nos ocorrem situações em que o que é irrelevante para uns, é muito incomodativo para outros, e que neste tipo de questões a atitude subjetiva relativamente ao estímulo tem um papel fundamental.
Chegou-se assim a uma situação em que os Tribunais tornaram claro que o cumprimento do disposto na Lei do Ruído ou outra qualquer regulamentação associada ao ruído é condição necessária, mas não suficiente, chegando mesmo a referir que tal constitui apenas uma “ferramenta administrativa para efeitos de licenciamento”.
Lei do Ruído – efeitos na saúde e bem-estar
Um estudo recente publicado pela Organização Mundial de Saúde [1] estima que, só na Europa Ocidental, se perdam anualmente entre 1 e 1,6 milhões de anos de vida saudável devido ao ruído ambiental.
A tabela a seguir apresentada [2] mostra os efeitos do ruído no conforto e bem-estar em termos dos conhecimentos atuais.
Tabela – Efeitos do ruído na saúde e bem-estar com evidência suficiente
Efeito |
Dimensão |
Indicador Acústico |
Limiar |
Domínio temporal |
Distúrbio de incomodidade |
Psicossocial, qualidade de vida |
Lden |
42 |
Crónico |
Perturbação do sono auto reportada |
Qualidade de vida, saúde somática |
Lnoite |
42 |
Crónico |
Aprendizagem, memória |
Desempenho |
Leq |
50 |
Agudo, crónico |
Hormonas do stress |
Indicador de stress |
Lmax Leq |
ND |
Agudo, crónico |
Sono |
Acordar, mobilidade, qualidade do sono |
Lmax, interiores |
32 |
Agudo, crónico |
Acordar reportado |
Sono |
SEL interiores |
53 |
Agudo |
Saúde reportada |
Bem-estar, saúde clínica |
Lden |
50 |
Crónico |
Hipertensão |
Saúde, Hipertensão |
Lden |
50 |
Crónico |
Doença cardíaca isquémica |
Saúde clínica |
Lden |
60 |
Crónico |
Características do Ruído que provocam Incomodidade
Para a grande maioria das pessoas um ruído específico é considerado incomodativo ou não em função dos seguintes fatores:
- Nível sonoro
- Espectro (tonalidade e ruído de baixa frequência)
- Características temporais
- Atividade das pessoas
- Altura do dia
- Tempo de exposição
- Atitudes individuais em relação à fonte de ruído
Nível sonoro
O nível sonoro é a principal característica do ruído que determina o desconforto. Quanto maior for o nível maior é a reação negativa e, consequentemente, o incómodo associado.
Espectro de frequência
A cada espectro de um ruído correspondem reações de maior ou menor incomodidade.
Um ruído com um timbre neutro (ex: o barulho da chuva) não é incomodativo. O grau de incomodidade é mais elevado para tons puros do que para sons musicais ou ruídos aleatórios da banda larga. Em geral, quanto maior é o conteúdo tonal de um ruído, maior é a incomodidade. Ruídos de o tipo “chiar” de travões ou silvos são particularmente desagradáveis para o ouvido humano (ex.: ruído do metropolitano numa curva apertada, provocada pelo deslizamento forçado das rodas metálicas sobre o carril metálico). Num espectro uniforme, existe um aumento de incomodidade causado pela emergência de tons puros.
Para além deste fator hoje em dia é conhecido [3] que a reação a ruído de baixa frequência (8 a 125 Hz) é distinta de ruído a frequências mais elevadas. Isto também deve ser levado em conta quando se efetuar uma avaliação de incomodidade [4].
Características temporais
Os ruídos intermitentes, bem como os resultantes de impactos, explosivos ou tiros são mais incomodativos do que ruídos estáveis e contínuos – como o barulho da chuva – porque são repentinos e inesperados. Estes tipo de ruídos pode mesmo provocar uma reação reflexa de susto, de sobressalto com efeitos não só psicológicos, mas também físicos. Entretanto o corpo só volta ao seu estado prévio após alguns minutos.
Atividade desenvolvida pelas pessoas
Nem sempre se tem a mesma reação em relação a um mesmo ruído particular. Dependendo esta reação do que se esteja a fazer no momento, da atividade e da altura do dia em que ocorre o ruído. Por exemplo, na sala de estar, pode-se ficar mais incomodado pela música que o vizinho está a tocar, quando se está a ler um livro, do que quando se está numa atividade social de convivência com amigos. A seguir encontra-se uma lista de atividades classificadas (aproximadamente) de acordo com o seu grau crescente de sensibilidade em relação a um ruído incomodativo:
- Atividade manual.
- Atividades sociais.
- Atividades caseiras.
- Atividade intelectual.
- Sono.
A altura do dia
Um dia normal, para a maioria das pessoas e para a legislação, pode-se dividir em três períodos: período de trabalho, de laser e período de descanso. Critérios diferentes serão então usados para os diferentes períodos do dia: madrugada, manhã, tarde, princípio da noite e noite. Para simplificar normalmente considera-se o dia dividido em três períodos: diurno entardecer e noturno.
Duração da exposição ao ruído
Para a determinação do grau de incomodidade, a duração da exposição ao ruído é um fator tão importante como o nível sonoro. A perturbação causada por trabalhos de construção civil durante um período de dois dias é menos importante que a causada durante um período de dois meses. Do mesmo modo, é menos incomodativo ouvir um ruído durante meia hora por dia do que ouvir o mesmo ruído durante um período de oito horas de um determinado dia.
A atitude individual perante a fonte de ruído
A atitude de um indivíduo perante o ruído depende da sua vivência psicológica, social e cultural.
Por exemplo, um motociclista não se sente incomodado pelo ruído do seu próprio veículo. É também muito tolerante em relação ao ruído gerado por outros motociclistas. Um apreciador de música clássica frequentemente reage muito mal à música rock. As pessoas mais idosas têm tendência para não suportar os “gritos” das crianças.
Num estudo já referido consta uma tabela que ilustra a reação das pessoas a diversos tipos de fontes de ruído. Nesta tabela pode-se ver que a reação de incomodidade não é igual para diferentes tipos de fontes.
Tabela Comparação de valores de Lden para diferentes fontes com respeito a incomodidade – Percentagem de muito incomodados para o mesmo nível de ruído
Lden |
Estrada |
Ferrovia |
Aviões |
Indústria |
Geradores eólicos |
55 dB |
6 % |
4 % |
27 % |
5 % |
26 % |
50 dB |
4 % |
2 % |
18 % |
3 % |
13 % |
45 dB |
1 % |
0 % |
12 % |
1 % |
6 % |
É normal que uma pessoa que vive no centro de uma cidade tolere melhor o ruído do tráfego, porque o considera normal. Por outro lado uma pessoa que, toda a vida, viveu num ambiente rural e de repente lhe colocaram uma fonte de ruído, como seja um aerogerador, a algumas centenas de metro da sua casa, provavelmente vai ter uma reação mais negativa a algo que vai contra as suas expetativas.
A Lei do Ruído – Decreto – Lei 9/2007 – O critério de incomodidade
O critério de incomodidade da Lei do Ruído baseia-se na diferença entre:
- O nível sonoro com a fonte em causa em funcionamento (denominado Ruído Ambiente – RA) e;
- O nível sonoro sem a fonte em causa (denominado Ruído Residual – RR).
- O valor desta diferença (RA-RR) é comparado com um valor limite máximo, tendo em conta o período ou períodos do dia em que ocorre o ruído.
- Existem 3 limites para essa diferença, um para o período diurno (07H00 – 20H00), outro para o entardecer (20H00 – 23H00) e outro para o noturno (20H00 – 23H00).
Assim, o critério de incomodidade definido na Lei do Ruído é o seguinte:
Valor da diferença |
Límite de LAeq ra – LAeq rr (RA-RR) |
||
Diurno |
Entardecer |
Noturno |
|
Ruído Ambiente – Ruído residual |
5 dB(A)+ D |
4 dB(A)+D |
3 dB(A)+D |
Ao valor da diferença são aplicados os seguintes fatores:
- D – Fator dependente da duração do ruído em estudo no período de referência (anexo I do D.L.)
- Dois fatores agravantes para componentes tonais e componentes impulsivas no ruído emitido pela instalação, cada um no valor de 3 dB(A).
Avaliação do critério de incomodidade da Lei do Ruído
Tem-se assim que o critério de incomodidade, previsto na Lei do Ruído, contempla os seguintes fatores:
- Nível sonoro
- Espectro – tonalidade
- Características temporais
- Altura do dia
- Tempo de exposição
Não contempla os restantes:
- Espetro – ruído de baixa frequência
- Atividade desenvolvida pelas pessoas
- Atitudes individuais em relação à fonte ou ao ruído
-
Também não contempla a possibilidade de não se conhecer a fonte de ruido, o que é muito comum nos grandes edifícios modernos onde existem inúmeras máquinas em funcionamento. É frequente, num edifício moderno existirem muito mais de cem máquinas.
Onde hoje em dia é sabido que a reação de incomodidade de dos seres humanos relativa a ruído de baixa frequência é distinta da reação de incomodidade a ruído a frequências mais elevadas. Tal é reconhecido em diversos países na Europa como sejam Espanha (Catalunha), Alemanha, Suécia, Polónia, Dinamarca, etc. [3,4]
Em Portugal não existe regulamentação especifica sobre a avaliação de incomodidade gerada por este tipo de ruído fazendo com que a Lei do Ruído, para avaliação de incomodidade esteja tecnicamente obsoleta.
A Constituição da República e o Direito de Personalidade e a Lei do Ruído
O Artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estabelece o “Direito ao respeito pela vida privada e familiar” e a Constituição Portuguesa têm vindo a ser interpretados pelos tribunais da seguinte forma [4]:
“Vários têm sido os arestos em que o Supremo Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se, tem sucessivamente reafirmado integrarem o direito ao repouso, ao sono e á tranquilidade, requisitos inerentes à realização do direito à saúde e à qualidade de vida. Constituindo emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente dos direitos à integridade física e moral a um ambiente de vida sadios, constitucionalmente tutelados como direitos fundamentais no campo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, sempre para concluir que a ilicitude de uma ação ruidosa que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros está no facto de, injustificadamente, e para além dos limites de socialmente tolerável, lesar aqueles baluartes da integridade pessoal, sendo o dano real lesão desse direito em qualquer das suas componentes.”
Supremo Tribunal de Justiça – Processo 2209/08.0TBTVD.L1.S1, proferida em 30-05-2013
Têm-se assim que, legalmente, a questão da incomodidade gerada pelo ruído está longe de se esgotar na Lei do Ruído – Regulamento Geral sobre o Ruído e outra regulamentação similar associada. Caso um queixoso alegue que, em virtude do incómodo gerado pelo ruído, o seu repouso, sono ou tranquilidade está em risco, prevalece outro tipo de princípios, nomeadamente a Constituição da República Portuguesa e o referido Direito de Personalidade.
O Ruído de Baixa Frequência, o Direito de Personalidade e a Lei do Ruído
Portanto, quando se trata de Ruído de Baixa Frequência, em primeiro lugar o que se tem de fazer é provar que este existe objetivamente de acordo com um critério objetivo como seja o da norma alemã DIN 45680:2013 – Medição e avaliação de imissões de ruído de baixa frequência.
Existindo este, de acordo com esta norma, pode existir incomodidade e podem ter lugar os efeitos indiretos sobre a saúde. Quando estes ocorrem os efeitos das pessoas estão protegidos pela Constituição da República conforme referidos no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e no Direito de Personalidade, aqui referido.
Lei do ruído – A resposta dos agentes económicos
Do que foi atrás referido infere-se:
- O enquadramento legal no nosso país e na Europa garante o direito ao bem-estar e à saúde;
- As queixas relativas a ruído estão baseadas em questões objetivas e subjetivas;
- Existem parâmetros de ruido, relevantes para a avaliação da resposta humana em termos de conforto e bem-estar, que não são avaliados, nos termos do disposto no Decreto – Lei 9/2007, nomeadamente o Ruído de Baixas Frequências;
- Os critérios de avaliação de incomodidade e de exposição ao ruído, determinados pelo Decreto – Lei 9/2007, mesmo em caso de serem cumpridos, estão tecnicamente obsoletos;
- Um agente económico que cumpra estritamente o que está disposto no Decreto – Lei 9/2007 pode não estar a responder, cabalmente, ao enquadramento legal existente no nosso país, nomeadamente no que se refere ao disposto na Constituição sobre o Direito à Saúde;
- A resposta às questões subjetivas tem de ser abordada de uma forma diferente, do que apenas com a realização de ensaios e obras.
Lei do ruído – Conclusão
Contrariamente ao que é frequentemente referido, a Lei do Ruído, o Decreto – Lei 9/2007, não é o principal garante do direito das pessoas ao sono e à tranquilidade, relativamente ao ruído, mas sim, em primeiro lugar, pela Constituição da República Portuguesa, nomeadamente pelo, designado juridicamente “Direito de Personalidade”.
Este direito constitucional é mais importante e, portanto, sobrepõe-se ao estipulado na Lei do Ruído, o Decreto – Lei 9/2007, no que se refere. nomeadamente ao Critério de Incomodidade.
A aplicação de normalização de outros países relativa a Ruído de Baixa Frequência é legitima e a sua aplicação enquadra-se na defesa dos direitos estabelecidos na Constituição da República Portuguesa, através do Direito de Personalidade confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Referências
- Burden of disease from environmental noise – Quantification of healthy life years lost in Europe. WHO Regional Office for Europe and Joint Research Centre of the European Commission, 2011.
- Good practice guide on noise exposure and potential health effects, European Environment Agency, 2010
- https://ruidobaixafrequencia.pt/2019/02/22/ruido-de-baixa-frequencia-situacao-na-europa/
- DIN 45680:2013 – Medição e avaliação de imissões de ruído de baixa frequência
- Supremo Tribunal de Justiça – Processo 2209/08.0TBTVD.L1.S1, proferida em 30-05-2013
A Ruido de Baixa Frequência Engenharia pode colaborar em:
1. Através de ensaios acústicos, identificar a existência de ruído de baixa frequência de acordo com a metodologia da norma Alemã DIN 45680:2013 – Medição e avaliação de imissões de ruído de baixa frequência;
2. Identificar as fontes de ruído de ruído de baixa frequência;
3. Definir as ações necessárias para eliminar o ruído de baixa frequência;
4. Seguir a implementação dessas medidas.
Caso pretenda alguma informação adicional, por favor contacte-nos.